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Resenha: Disco póstumo reatualiza grandiosa obra criada por Erasmo Carlos

Canções inéditas são interpretadas por nomes que têm se destacado na música brasileira, caso de Sebastião Reis, Tim Bernardes e Rubel

Erasmo foi nome histórico no rock brasileiro ao se ligar em Little Richard, nos anos 60 - Foto: Carlos Mafort/Divulgação Erasmo foi nome histórico no rock brasileiro ao se ligar em Little Richard, nos anos 60 - Foto: Carlos Mafort/Divulgação

Falemos de Erasmo Carlos: o roqueiro, o gigante gentil, aquela figura essencial à nossa música. Pois então, Erasmo está vivo. Eu explico: Erasmo está vivo num disco póstumo. Sacou? “Erasmo Esteves” acaba de ser publicado no streaming pela Som Livre. É uma (boa) tentativa de colocar o Tremendão em sintonia com a jovem guarda deste século 21.

Agora, se você me permite, há que se olhar para as condições nas quais a obra foi produzida: bilhetes, rascunhos, registros incertos, melodias inacabadas. Longe de mim querer descartar o disco no lixo cacofônico do streaming, mas é certo que não seria possível tê-lo no Spotify se não fosse o filho de Erasmo, Léo Esteves, abrir o baú do pai e, de lá, tirar canções inéditas.

“Erasmo Esteves” simula um rock-samba típico de Erasmo. Um samba-rock daqueles que o carioca fazia nos anos 70 – como “Cachaça Mecânica” ou “Coqueiro Verde”. De batismo idêntico ao disco, a música foi composta por Rubel a partir de “Tijuca Maluca”, letra autobiográfica em que o roqueiro romantiza a juventude transviada vivida na Tijuca.

No bairro carioca, movimentado pelo ritmo cadenciado da brasilidade e pela estética libertária de Elvis Presley, encontraram-se ídolos da música brasileira, caso de Jorge Ben (sem ainda o Jor), Roberto Carlos e Tim Maia. Sob o sopro de metais afiadíssimos, a música tem ainda o toque hip-hop de Emicida. “Erasmo Carlos, Carlos, Erasmo, o Tremendão, o gigante gentil. Que satisfação ter sido seu camarada. Valeu”, agradece o rapper paulistano.

Não é semelhante a “Carlos, Erasmo” (1971), embora o disco póstumo se equilibre entre momentos inspirados e outros nem tão inspirados. Dentre as melhores canções, num ritmo lento e amoroso, o eu-lírico se declara à mulher. “Quero-te em paz pra que eu possa contemplar seu rosto. Eu te vejo num espaço tranquilo, com planetas e estrelas ao alcance das mãos”, vocaliza Jota.Pê, como se fosse um cantor da Motown Records, nos anos 60.

Tal qual na balada soul, o amor a uma mulher costura as faixas do disco – e, em grande parte, é a verdadeira matéria-prima sobre a qual se solidifica a discografia de Erasmo. Basta uma audição cuidadosa para se notar a predileção do cancioneiro ao sentimento capaz de emocionar os poetas. Ele foi apaixonado por Sandra Sayonara Esteves, a Narinha, morta em 1995, musa de carta redigida pelo Tremendão mas musicada por Roberta Campos.

Se a balada “Assim te Vejo em Paz” causa arrepios pelo canto de Jota e emociona os apaixonados assim que o arranjo de cordas se faz ouvir, a próxima faixa, “A Menina da Felicidade”, resgata canção extraviada nas gavetas de Erasmo. O artista escreveu-a para um álbum jamais gravado da cantora Wanderléa. Um áudio isolado conseguiu fazer Erasmo Carlos dividir os vocais com Gaby Amarantos, numa canção apropriada para ser single.

“Minha Bonita”, espécie de canção-vinheta, apresenta Erasmo dedilhando acordes melódicos no violão. Tim Bernardes transforma o rascunho em uma inspirada música. Em “Minha Bonita Primavera”, demonstra toda sua habilidade de canto, com falsetes bem encaixados numa condução rítmica abrilhantada por um violão e pelo contrabaixo.

Poeta célebre dos anos 80, o eterno titã Arnaldo Antunes repaginou “Dane-se (Dance)”. Quem a gravou foi Russo Passapusso, voz do grupo BaianaSystem. Ele deu à canção um balanço roqueiro influenciado pela latinidade. Ouve-se até elementos capazes de remeter ao tropicalismo, movimento com o qual Erasmo flertara no cultuado elepê “Carlos, Erasmo”.


		Resenha: Disco póstumo reatualiza grandiosa obra criada por Erasmo Carlos
Capa do disco 'Erasmo Esteves'. Marcus Vinícius Beck

Toque bluesy

Outro artista que se iniciou nos Titãs também trabalhou em esboço deixado por Erasmo. Deu, inclusive, um toque bluesy a “Na Memória dos Caras Tortas”. “Aqui jaz um malandro velho e sem conforto. Que depois de dar tanta risada, vive como morto”, canta Chico Chico, numa sessão temperada pelos comentários suaves realizados por Miklos no piano. “Quando ele ria, todos riam. Até ficarem com a cara torta. Agora, andam esquecidos.”

Em “Frágil”, riff de guitarra costura a voz de Teago Oliveira. “Já acordava se olhando no espelho. Se achava mesmo um cara diferente. Dos conhecidos se achava o mais bonito. Passava horas namorando a sua imagem”, canta, reverberando o estilo rebelde trazido por Erasmo Carlos para a música brasileira durante a Jovem Guarda. É meio James Dean, com uma pitada de Little Richard e, sem dúvida, há Elvis Presley – proclamado rei do rock.

Talvez um fã, digamos, mais ortodoxo não poupe a faixa “Esquisitices” de coisas cruéis. Erasmo Carlos faz dueto com Marina Sena, cuja voz anasalada, vira e mexe, tem a sina de se transformar em pretexto para os críticos lhe considerarem uma artista de canto ruim. Seja como for, a música exibe lá seus atributos, como – por exemplo – ter colocado Marina para dividir os microfones com Erasmo, dono de voz peculiar. Portanto, é um cantor “esquisito”.

Como Arnaldo Antunes e Paulo Miklos foram convidados para trabalhar em canções de Erasmo, Nando Reis recebeu um bilhete escrito para Narinha – paixão avassaladora de Erasmo. “Que Assim Seja (Também Distante)” foi gravada por Sebastião Reis, filho de Nando. “Te vejo mais que a luz das cores vivas. Te ouço com a mais suave canção”, vocaliza Sebastião, com comentários de metais entrelaçando-se ao canto do jovem artista.

Com 10 músicas, “Erasmo Esteves” termina com “Nossos Corações”. Há o vozeirão de Xênia França dando dimensão da seriedade do amor. “Simples como as juras tão comuns de uma paixão. É o seu amor falando assim”, diz. Produzido por Pupillo e Marcus Preto, o disco insere Erasmo no Spotify do público jovem. O futuro, afinal, pertence à Jovem Guarda.

ERASMO ESTEVES

Faixas: dez

Gênero: MPB

Gravadora: Som Livre

Disponível no Spotify

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